"Direito ao esquecimento" no TJRJ
Fábio Carvalho Leite
Caso 2 - J. R. F. x GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.
Apelação cível n. 0161033-79.2009.8.19.0001 – 1ª Câmara Cível – Rel. JOSE CARLOS MALDONADO DE CARVALHO
Resumo do caso:
O autor é médico e já foi Coordenador do Programa Rio Transplante da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Em 2003, foi preso e acusado pela Polícia Federal na chamada "Operação Fura Fila", respondeu a processos judiciais e administrativos e foi absolvido em ambos. Mesmo tendo sido absolvido, sua situação ainda permanece divulgada no sítio de busca administrado pelo réu e pretende que a informação seja retirada da rede de internet e fixada uma indenização a título de dano moral a critério do Juízo. A juíza negou a tutela antecipada e julgou improcedente o pedido autoral. Em grau de recurso, a 1ª Câmara Cível manteve a sentença, mas com uma fundamentação distinta.
Alegações do autor:
- que é médico e era Coordenador do Programa Rio Transplante da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro.
- que em 2003 foi preso e acusado pela Polícia Federal na chamada ´Operação Fura Fila´.
- que respondeu a processos judiciais e administrativos, tendo sido absolvido em ambos.
- que mesmo tendo sido absolvido, sua situação ainda permanece divulgada no sítio de busca administrado pelo réu
Pedido:
que a informação seja retirada da rede de internet e fixada uma indenização a título de dano moral a critério do Juízo.
Tutela antecipada
A juíza decidiu que só iria apreciar o pedido de tutela antecipada após a contestação do réu – o que foi mantido pelo TJ (1ª Câmara Cível) em sede de agravo de instrumento.
Contestação do Google
ilegitimidade passiva e no mérito alega que não é responsável pelo lançamento da informação na página de terceiros.
Sentença
Inicialmente ressalto que não estamos diante de uma relação de consumo, tendo em vista que o serviço de busca acessado pelo autor através da internet foi gratuito e não mediante remuneração conforme parágrafo 2º do artigo 3º da lei 8078/90.
Segundo a norma mencionada estão excluídos da tutela de consumo aquelas atividades desempenhadas a título gratuito como ocorrem em sítios de busca onde o usuário não desembolsa quantia para ter acesso ao resultado das consultas virtuais.
Portanto, a responsabilidade civil no caso em tela é de natureza subjetiva devendo a suposta vítima provar o elemento subjetivo (dolo ou culpa) do agente causador e nexo de causalidade.
Analisando detalhadamente a demanda não há de prosperar o pedido autoral não havendo como o réu no presente caso concreto ser responsabilizado. Vejamos.
Não é a primeira vez que esta Magistrada se depara com pedido como o descrito nos autos o que me tem levado a realizar pesquisas nos poucos livros existentes sobre responsabilidade civil na internet e seu controle.
No caso concreto devemos inicialmente separar o que seja “um provedor de conteúdo” de um “sítio de busca”.
O réu é uma empresa de internet que atua virtualmente na rede, quanto a isto não há dúvidas, sendo uma das diversas hoje no mundo, que administra um sítio de busca.
No caso específico de consulta de nomes de pessoas e fatos no sítio ´www.google.com.br´ ou de outras empresas que atuam no ramo estamos diante de um serviço estritamente de busca onde o réu não age como uma empresa que armazena conteúdo em seus servidores para acesso através do ´World Wild Web´ (www) como por exemplo o ´Orkut´, ´Facebook´ e ´twitter´ dentre outros.
No caso específico de serviço buscador age o sítio como mero elo entre o usuário buscador e a informação final. Os mecanismos de busca na internet como o feito pelo ´Google´ são sítios especiais projetados para encontrar informações armazenadas em outros sítios ou páginas.
O réu como sítio de busca indexa a internet copiando o código ´HTML´ e ´URL´ das páginas após varreduras de palavras chave e não as armazena ou administra não podendo gerir seu conteúdo. Portanto, o sítio de busca do réu somente indexa aquilo que alguém anteriormente lançou na rede de internet.
Apenas para exemplificar: se este Tribunal de Justiça lançar informações e notícias na sua página o réu irá indexar esta informação permitindo que pessoas interessadas possam ser direcionadas à página do TJRJ. Ora, se no caso o TJRJ lançar uma informação equivocada na sua página quem seria o autor do equívoco aquele que deu acesso ou o TJRJ?
No caso específico do autor, o mesmo alega que o réu violou sua honra ao permitir acesso amplo através do ´Google´ buscador de informações sobre a triste situação ocorrida em sua vida pessoal e profissional após operação da Polícia Federal.
Com todas as vênias ao alegado na inicial, a informação sobre a situação vivida pelo autor base da ação judicial não foi disponibilizada pelo réu na internet, mas sim por diversos sítios de órgãos de comunicação no Brasil. Vide fls. 178, onde se pode notar que as notícias foram incluídas em diversas páginas tais como o do ´CNPq´, ´Globo´, ´terra´, ´amigos do transplante.com´, dentre outros.
Como dito anteriormente o réu não inseriu, administrou ou armazenou o conteúdo de ´HTML´ ou ´URL´ apenas ´varreu´ na linguagem informática a internet com base nas palavras chaves constantes nas diversas páginas. Em suma as informações e publicidades foram dadas por diversos sítios a rede de internet.
Quanto à tutela inibitória pretendida na inicial, cumpre ressaltar que a retirada se seu nome é inviável nos moldes pretendidos, pois estamos diante de um serviço de busca de internet onde o réu é apenas um dos milhões de sítios de busca que fornecem este elo no mundo.
Em suma, se digitarmos o nome do autor em qualquer sítio de busca localizado no mais longínquo país, seu nome ainda assim apareceria, lembrando que a internet é um meio sem definição legal, não tem nacionalidade, proprietário, conselho gestor, endereço fixo, fronteiras, etc., sendo uma rede formada por outras redes conectadas entre si e assim sucessivamente com característica peculiar sendo um novo leviatã.
Para sucesso efetivo na tutela inibitória teria o autor que propor milhares de ações contra cada um dos milhares de sítios de busca na internet inclusive vários fora do Brasil o que é fisicamente e financeiramente inviável e inútil, pois a informação sempre voltaria até que saísse do servidor mãe.
É por isso que todas as formas de controle legais e judiciais do conteúdo de internet até então tentadas se mostram inúteis até mesmo em ditaduras que somente conseguem censurando integralmente a internet fechando a empresa (vide caso recente Google x China).
Em sendo assim, em que pese o esforço do autor, não vislumbro na espécie responsabilidade ao réu pelas informações lançadas na internet.
Portanto, improcede a pretensão autoral.
Acórdão (apelação cível):
Trata-se, aqui, de ação de obrigação de fazer, cumulado com indenizatória, objetivando o autor, médico renomado especializado em transplantes hepáticos, a retirada de toda e qualquer informação veiculada pela ré relacionada ao fato de ter participado de “esquema”, segundo o qual, supostamente, “vendia” lugar na fila de transplantes de órgãos do Estado do Rio de Janeiro, além da condenação ao pagamento de indenização a título de danos morais.
Sem razão o recorrente.
A questão principal a ser enfrentada está voltada à possibilidade, ou não, de responsabilizar-se o provedor de hospedagem por divulgar notícias que tenham sido postadas em seus sites de busca. Por certo, e como faz ver RIZZATTO NUNES, “praticamente nada é gratuito no mercado de consumo. Tudo tem, na pior das hipóteses, um custo, e este acaba, direta ou indiretamente, sendo repassado ao consumidor”.
Na verdade, o critério da remuneração econômica a que se refere o CDC no art. 3º, parágrafo 2º, alcança tanto a remuneração direta quanto a indireta, como faz ver o STJ, no RESP nº 566.468/RJ, j. 23/11/2004 (DJ de 17/12/2004).
Certamente, como afirma CLÁUDIA LIMA MARQUES, “quando não é o consumidor individual que paga, mas a coletividade (facilidade diluída no preço de todos) ou quando ele paga indiretamente o ‘benefício gratuito’ que está recebendo”, a expressão remuneração utilizada no art. 3º do CDC permite que sejam incluídos todos aqueles contratos em que for possível identificar uma remuneração indireta do serviço de consumo.
É de se concluir, portanto, que a relação entre as partes litigantes é, notadamente, de consumo, já que a remuneração, neste caso, se dá pela via oblíqua, em decorrência da publicidade e de outros tantos negócios pela ré firmados com terceiros.
Por outro lado, também não merece prosperar a tese defensiva assentada no fato de que a responsabilidade no evento se deu por fato exclusivo de terceiro, o que, via de conseqüência, o eximiria da responsabilidade que lhe é atribuída. Ora, e como de sabença, todos aqueles que participam da cadeia produtiva assumem a condição de fornecedores de serviços e produtos, independentemente da parcela de atuação que a cada um possa ser atribuída.
De fato, como conduz JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, por se tratar de responsabilidade objetiva, decorrente da simples colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiverem na cadeia produtiva que propiciou a colocação do serviço no mercado de consumo.
Daí por que, e sem mais delongas, “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” (arts. 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, do CDC). Conclui-se, pois, que embora seja duvidosa a responsabilidade do provedor de hospedagem sobre ilicitudes de conteúdo, quando por ele desconhecidas, esta passa a ser incontroversa quando, tomando conhecimento da ilicitude, deixa de atuar em prol da restauração do direito violado.
Todavia, no caso em exame, foi o próprio autor quem, na inicial, admitiu que, em 2003, foi preso e acusado pela Polícia Federal na chamada “operação fura fila”, respondendo a processos judiciais e administrativos, e que, a despeito das acusações feitas e dos processos instaurados contra ele, foi absolvido em ambas as esferas.
Nessa ótica, a hipótese dos autos evidência, a princípio, conflito entre princípios constitucionais. Por um lado, a liberdade de expressão do veículo de comunicação e o direito difuso da sociedade à informação verdadeira, nos termos do art. 5º, IV, IX e XIV da Constituição Federal; de outro, a honra e a intimidade do autor, que teriam sido violados pela divulgação do seu nome na matéria impugnada, com fincas no art. 5º, V e X do mesmo diploma.
Com efeito, a jurisprudência e doutrina são assentes no sentido de que a liberdade de expressão goza de uma posição privilegiada nos ordenamentos jurídicos democráticos, por possuir caráter dúplice: apresenta-se, ao mesmo tempo, como um direito substantivo de todas as pessoas, e, também, como pré-requisito para o exercício de outros direitos, tal qual a própria democracia.
Aqui, como bem se vê, as matérias jornalísticas veiculadas no portal de notícias reproduziram, apenas, fatos ocorridos, sem que fosse emitido juízo de valor de índole subjetiva (fls. 246/254). Por certo, as informações que constam do site da ré, e que foram indicadas pelo próprio autor-recorrente, fazem referência apenas a fatos noticiados pela mídia, nos seguintes termos: “mais uma denúncia contra médico [nome do Autor]”; “médico e sua equipe” são “suspeitos” de participarem de um esquema de beneficiamento ilícito de pacientes à espera ...”; “O médico [nome do autor] foi preso pela Polícia Federal sob acusação de ser o chefe da quadrilha que vendia vaga na fila de transplantes de fígado”; “PF busca 5 médicos suspeitos de fraude no Rio” (fls. 246).
Essas notícias se encontram disponibilizadas no site da ré, por meio de consulta, através da inserção do nome do autor no campo de “pesquisa avançada” (fls. 246/254).
Hoje, com a indicação do mesmo nome com a palavra “absolvido”, passam a ser disponibilizadas as seguintes informações: “MPF recorre da absolvição de ex-coordenador do Rio Transplante ...”; “Médico acusado de furar fila de transplante é absolvido – Abril.com”; MPF/RJ questiona absolvição de ex-coordenador do Rio Transplante ...”.
São, pois, reproduções colhidas em periódicos jornalísticos, de acesso público, e de processo judicial, ainda não transitado em julgado, e que não correu em segredo de justiça.
Aliás, e como destacado no Agravo de Instrumento nº 0005375- 31.2010.8.19.0000, da minha relatoria, na primeira página do site de buscas da empresa ré também constam informações que não se enquadram como desabonadoras (fls. 278 do apenso), apenas informativas. Também assim se posiciona a jurisprudência deste Tribunal de Justiça que, em casos que envolvem a solução do conflito entre honra, intimidade e vida privada, e, de outro lado, liberdade de expressão e de informação, assim vem se posicionando pela legalidade de notícias verdadeiras, ainda que indiquem o nome das pessoas envolvidas com os fatos investigados:
- 0073141-74.2005.8.19.0001 (2007.001.39277) - APELACAO - DES. AGOSTINHO TEIXEIRA DE ALMEIDA FILHO - Julgamento: 13/11/2007 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL;
- 0003986-47.2009.8.19.0064 - APELACAO - DES. MAURICIO CALDAS LOPES - Julgamento: 11/03/2010 - SEGUNDA CAMARA CIVEL [em segredo de justiça];
- 0180485-46.2007.8.19.0001 (2008.001.29949) - APELACAO - DES. LUIZ FELIPE FRANCISCO - Julgamento: 12/08/2008 - OITAVA CAMARA CIVEL.
Logo, uma vez que a matéria é desprovida de qualquer intenção injuriosa, difamatória ou caluniosa, tendo a ré, tão-somente, materializado o seu dever de informar, por improcedentes também aqui se tem os pedidos formulados.
À vista do exposto, a Câmara nega provimento ao recurso.
Observações e Comentários
Houve divergência entre as instâncias sobre caracterização da relação entre as partes: se seria uma relação de consumo ou não.
Por entender que a relação não é de consumo, a juíza reconheceu que a responsabilidade civil no caso seria de natureza subjetiva, “devendo a suposta vítima provar o elemento subjetivo (dolo ou culpa) do agente causador e nexo de causalidade”.
A magistrada levantou diversos pontos interessantes, que valem não apenas para este caso específico, mas para diversos outros envolvendo a mesma questão, como:
“se este Tribunal de Justiça lançar informações e notícias na sua página o réu irá indexar esta informação permitindo que pessoas interessadas possam ser direcionadas à página do TJRJ. Ora, se no caso o TJRJ lançar uma informação equivocada na sua página quem seria o autor do equívoco aquele que deu acesso ou o TJRJ?”
A pergunta relevante aqui é: nestes casos, onde o Google apresenta resultados de pesquisa na internet, ele viola direito à honra/imagem por reunir o que está disponível na internet? Ou, nas palavras da juíza, quando o Google apenas “varreu” na linguagem informática a internet com base nas palavras chaves constantes nas diversas páginas? Não se trata de uma peculiaridade num caso concreto, mas é o que ocorre em todas as pesquisas junto ao Google Search.
A resposta da juíza foi bem objetiva: não é possível responsabilizar o Google nestes casos.
Em suas palavras: “a informação sobre a situação vivida pelo autor base da ação judicial não foi disponibilizada pelo réu na internet, mas sim por diversos sítios de órgãos de comunicação no Brasil” e que “as notícias foram incluídas em diversas páginas tais como o do “CNPq”, “Globo”, “terra”, “amigos do transplante.com”, dentre outros”.
A juíza ressaltou também que “a retirada se seu nome é inviável nos moldes pretendidos, pois estamos diante de um serviço de busca de internet onde o réu é apenas um dos milhões de sítios de busca que fornecem este elo no mundo”. Não sei ao certo se há de fato “milhões de sítios de busca que fornecem este elo no mundo”. Ainda que haja, não se pode ignorar que o Google é o mais acessado.
De todo modo, isso não afeta o ponto que a magistrada pretendeu sustentar: que, “para sucesso efetivo na tutela inibitória teria o autor que propor milhares de ações contra cada um dos milhares de sítios de busca na internet inclusive vários fora do Brasil, o que é fisicamente e financeiramente inviável e inútil, pois a informação sempre voltaria até que saísse do servidor mãe”.
O caminho trilhado pelo TJRJ (1ª Câmara Cível) foi muito distinto, ainda que tenha chegado ao mesmo resultado.
O relator, após observar que “a questão principal a ser enfrentada está voltada à possibilidade, ou não, de responsabilizar-se o provedor de hospedagem por divulgar notícias que tenham sido postadas em seus sites de busca”, concluiu que:
1 – a relação entre as partes litigantes é, notadamente, de consumo;
2 – a responsabilidade civil é objetiva;
3 – não merece prosperar a tese defensiva assentada no fato de que a responsabilidade no evento se deu por fato exclusivo de terceiro, o que, via de conseqüência, o eximiria da responsabilidade que lhe é atribuída; e
4 – embora seja duvidosa a responsabilidade do provedor de hospedagem sobre ilicitudes de conteúdo, quando por ele desconhecidas, esta passa a ser incontroversa quando, tomando conhecimento da ilicitude, deixa de atuar em prol da restauração do direito violado.
Esta última conclusão é, sem dúvida, a mais problemática, pois, de forma muito sutil, transfere ao Google a responsabilidade pelo julgamento de conflitos entre liberdade de expressão/informação/imprensa e direitos da personalidade (honra, imagem, privacidade/intimidade).
Considerando-se o contexto em que foi feita a afirmação, pode-se dizer que relator assume, de certo modo, que a identificação de um discurso ilícito, por violação a direitos da personalidade, é tarefa simples, algo objetivo, longe de qualquer polêmica – o que pode ser facilmente contestado pela simples leitura das decisões judiciais do próprio TJRJ (embora isso valha para qualquer órgão judiciário do país), que revelam que os casos são, via de regra, decididos a partir de ponderações casuísticas, sem maiores preocupações com a fixação de um entendimento que oriente condutas futuras. É dizer: as decisões judiciais proferidas pelos tribunais em geral, e pelo TJRJ em particular, contrariam a premissa adotada pelo relator.
A contradição torna-se ainda mais flagrante porque o próprio relator, em seguida, reconhece que se está diante de um “conflito entre princípios constitucionais”: “por um lado, a liberdade de expressão do veículo de comunicação e o direito difuso da sociedade à informação verdadeira, nos termos do art. 5º, IV, IX e XIV da Constituição Federal; de outro, a honra e a intimidade do autor, que teriam sido violados pela divulgação do seu nome na matéria impugnada, com fincas no art. 5º, V e X do mesmo diploma”.
Como reconhecer que o Google deveria identificar uma ilicitude numa divulgação quando os próprios magistrados resolvem casuisticamente os conflitos entre liberdade de expressão/informação/imprensa e direitos da personalidade?
Reforçando ainda mais este ponto, é curioso o fato de que o relator afirmou que “a jurisprudência e doutrina são assentes no sentido de que a liberdade de expressão goza de uma posição privilegiada nos ordenamentos jurídicos democráticos, por possuir caráter dúplice: apresenta-se, ao mesmo tempo, como um direito substantivo de todas as pessoas, e, também, como pré-requisito para o exercício de outros direitos, tal qual a própria democracia”.
Infelizmente, isto não é verdadeiro. Não há consenso nem mesmo quanto a este ponto. Na VIII Jornada de Direito Civil (promovida pelo Conselho da Justiça Federal), por exemplo, foi aprovado um enunciado que afirma exatamente o contrário: “A liberdade de expressão não goza de posição preferencial em relação aos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro.”
O relator observou que, hoje, se o nome do autor for digitado no site Google junto com a palavra “absolvido”, aparecem notícias com a informação de que ele foi... absolvido. Mas o que se deve concluir a partir deste fato? Ele realmente é relevante para a resolução do caso? O problema apresentado pelo autor refere-se aos resultados na página do Google quando alguém digita apenas o seu nome – o que aliás é o mais comum. E é para este problema que a decisão deveria se voltar. Ou, acaso, deveríamos concluir que, quando há informações sobre absolvição posterior, não há ilicitude na disponibilização de notícias anteriores à absolvição? O relator não esclareceu a razão do argumento.
O relator reiterou um ponto que havia sustentado no julgamento do agravo de instrumento, a saber: que “na primeira página do site de buscas da empresa ré também constam informações que não se enquadram como desabonadoras, apenas informativas”. Não ficou claro se, ao lado de matérias informativas, há também informações desabonadoras. Tampouco a relevância deste ponto para a resolução do caso. Afinal, as matérias desabonadoras são permitidas se vierem acompanhadas de matérias informativas?
A parte final do voto do relator sugere que a decisão do caso encontra amparo no que seria uma jurisprudência do TJRJ – o que não é verdadeiro. Destaco aqui três parágrafos do voto do relator:
“São, pois, reproduções colhidas em periódicos jornalísticos, de acesso público, e de processo judicial, ainda não transitado em julgado, e que não correu em segredo de justiça”.
“Também assim se posiciona a jurisprudência deste Tribunal de Justiça que, em casos que envolvem a solução do conflito entre honra, intimidade e vida privada, e, de outro lado, liberdade de expressão e de informação, assim vem se posicionando pela legalidade de notícias verdadeiras, ainda que indiquem o nome das pessoas envolvidas com os fatos investigados”.
“Logo, uma vez que a matéria é desprovida de qualquer intenção injuriosa, difamatória ou caluniosa, tendo a ré, tão-somente, materializado o seu dever de informar, por improcedentes também aqui se tem os pedidos formulados”.
Se houvesse, de fato, uma jurisprudência do TJRJ a este respeito, como sugere o relator em seu voto, deveríamos concluir o Google não pode ser responsabilizado quando apresenta, em sua página, matérias colhidas em periódicos jornalísticos, de acesso público, e de processo judicial, ainda não transitado em julgado, e que não correu em segredo de justiça; que são estão protegidas juridicamente as notícias verdadeiras, ainda que indiquem o nome das pessoas envolvidas com os fatos investigados; e desde que sejam desprovidas de qualquer intenção injuriosa, difamatória ou caluniosa, tendo o Google, tão-somente, materializado o seu dever de informar, por improcedentes também aqui se tem os pedidos formulados. Seria esta uma regra observada pelo TJRJ?
Comparem esta decisão com o julgamento do caso 28.